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artigo sobre gaza para leitura e palpites



O “GENESIS” DA VIOLÊNCIA E A ESTUPIDEZ DE ISRAEL

Marcel Frison

Membro do Diretório Nacional do PT

Somoza, que comandou a Nicarágua por décadas com mãos de ferro, tinha uma política radical de prevenção contra os seus desafetos: mandava o exército invadir as casas suspeitas de colaborarem com os, digamos, movimentos subversivos e matar todos os homens da família. Estes eram mortos na frente de seus filhos, os pequenos,  já que muitos adolescentes atingiam a maioridade sob julgamento dos fuzis.

Logo descobriu que sua medida não era muito eficaz, pois, a luta contra o regime, misteriosamente, tinha continuidade e cada vez tornava-se mais forte. Depois de uma “dolorosa” reflexão, percebeu que a revolta vinha dos mais pobres. Então resolveu mandar matar a todos. Um dos meios era jogar bombas de nalpam (que os americanos utilizaram no Vietnã) nos “barrios” da periferia de Manágua e de outros centros urbanos.

Tudo isso, é claro, em nome da liberdade, da democracia, do patriotismo e contra o avanço inaceitável dos “terríveis comunistas comedores de criançinhas” que queriam dominar a Nicarágua e toda a América Latina, colocar o povo “sob jugo da intolerância, do absolutismo e da prisão que representavam os regimes socialistas”.

Quem me contou isto foi um nicaraguense insuspeito que conheci décadas atrás em Porto Alegre. Insuspeito por que era um liberal convicto e anticomunista militante. Dizia ele: “A estupidez de Somoza forjou a revolução sandinista, cada pai que tombava pelas balas da ditadura educava dois, três ou mais revolucionários sanguinários”!  “E quando atacou em massa a população não deixou outra alternativa senão a guerra aberta”.

As fotos da guerra civil na Nicarágua mostram crianças e adolescentes armados ocupando as ruas das principais cidades do país. Possivelmente crianças e adolescentes que matavam, não somente em vingança daquilo que assistiram em seus lares, mas fundamentalmente para não terem o mesmo destino.

As imagens são fortes, mas são a expressão de um povo se defendendo como podia, com as armas e os braços que lhe restaram.

O “genesis” deste fenômeno foi a miséria e o terrorismo de estado impostos pela ditadura.

Porém,  recaiu sobre os sandinistas, a acusação de usarem crianças inocentes como “bucha de canhão”.

Este era o discurso do regime para justificar suas atrocidades. Este era o discurso de Washington para justificar o financiamento dos “Contras” e manter o país em guerra civil por anos a fio. Uma guerra que matou mais crianças do que todo o processo revolucionário que apeou Somoza do poder.

Recorro a esta triste história para refletir sobre o massacre que todos nós estamos assistindo em Gaza. Os contextos são completamente distintos, porém, os pontos comuns são ensurdecedores: a mesma covardia do terrorismo de estado sobre a população civil, as mesmas vítimas sendo destroçadas, o mesmo discurso cínico e por trás, o mesmo sórdido financiador e avalista.

Para além das crianças dilaceradas a cada bombardeio, o que mais me revolta é o discurso.

Israel afirma que a sua ofensiva sobre Gaza é um ato de prevenção e defesa contra os terroristas do Hamas. A contabilidade é reveladora, do lado palestino são 900 mortos, dentre estes, a metade composta por crianças e mulheres. Do lado israelense cerca de uma dúzia, três civis no seu território e o resto de militares em Gaza, sendo a maioria destes mortos por fogo amigo. Israel zomba da nossa inteligência.

Um cidadão chamado Alan Dershowitz, professor da Harvard, na defesa do Estado de Israel escreveu a seguinte pérola: “O Hamas recusa-se a construir abrigos (iguais aos que Israel construiu), exatamente porque quer que Israel mate o maior número de civis palestinos, ainda que inadvertidamente” (grifo meu). Esta frase é de uma hipocrisia atroz – fico imaginando a cena bucólica de soldados israelenses assistindo pacificamente os militantes do Hamas construindo bunkers para proteger os seus civis.

Outro argumento é que Israel visa atingir somente alvos militares, talvez este seja o único argumento verdadeiro, como a guerra é contra o povo palestino todos os mortos são “militares”. Entram na conta do indesejado “efeito colateral” os prédios e os veículos sob a bandeira da ONU. O problema reside na honestidade em relação à premissa.

Nesta mesma esteira, vieram novos argumentos e provas que seriam cômicas se não fossem trágicas.

Israel divulgou imagens “emocionantes” de um veículo percorrendo as ruas de Gaza incólume em meio a prédios que abrigavam civis. Dizem que tal transporte estava apinhado de terroristas do Hamas, mas não foi alvejado em respeito às vidas palestinas. Olhei o vídeo com atenção, tentei ver as bandeiras flamejantes do Hamas, mas elas não estavam lá, busquei me esforçar mais ainda e enxergar algum braço de fora vestido de uniforme ou o cano de um fuzil, mas foi em vão. Só posso contar com a confiabilidade do experiente Mossad, mas convenhamos, os antecedentes não são bons.

Contudo, a imagem mais impactante, foi a de helicópteros lançando milhões de panfletos sobre o que restou de Gaza. Segundo Israel, são avisos aos civis sobre as áreas que serão atacadas. A salvação vinda dos céus numa cidade devastada por todos os cantos.

Não sei o que dizem os bilhetes, mas se seu objetivo é “salvar vidas”, deve estar escrito: “Atirem-se ao mar e nadem pra valer”!  Talvez por isto, muitos palestinos, “mau humorados”, atearam fogo nos papeizinhos.

Sarcasmos a parte, a outra face absolutamente lamentável deste episódio é ver o povo de Israel (Estado) e, de certa maneira, toda a grande nação judaica espalhada pelo mundo, envolvida nesta matança inconseqüente promovida pelos seus dirigentes.

Os judeus são um povo fantástico, detentores de uma cultura milenar, que sobreviveu a toda sorte de infortúnios e perseguições, influenciou decisivamente a humanidade, e gerou filhos e filhas brilhantes que foram (e são) imprescindíveis para o mundo.

O paradoxo é que se existe algum povo no mundo que conhece profundamente a realidade a que estão submetidos os palestinos na faixa de Gaza e qual o preço da guerra são exatamente os judeus.

O Governo de Israel desonra esta história e desonra milhares de judeus que se dedicaram e se dedicam à construção de um mundo melhor.

A estrela de Davi está banhada de sangue inocente, o paradigma sionista morre um pouco junto com cada criança abatida. Em algum momento na história, o povo de Israel pagará muito caro, com o seu próprio sangue, a estupidez dos seus governantes.

É preciso parar. É preciso mudar.  É preciso paz.   

 
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