As Fronteiras Raciais do Genocídio: Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas (INNPD)

Não vai ter volta! – Ou a Reforma pela Política de Drogas no Brasil tem em seu centro o combate ao racismo, ou repetirá os equívocos da abolição inconclusa.
A Conferência Internacional “As Fronteiras Raciais do Genocídio” não se iniciou no dia 16 de Novembro. O acúmulo sobre “guerra às drogas”, “política sobre drogas”, sistema penal e racismo não pode ser expresso apenas pelos dois anos de Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas (INNPD).
A INNPD é a estratégia negra de articulação em rede que assumiu o desafio de conectar, de maneira destacada, as experiências e pessoas pretas ao redor do mundo para reatualizar nossa formulação, apresentando novas lentes negras que vivenciam e formulam a rearticulação do racismo a partir da Guerra as Drogas.
A conferência não se iniciou 16 de Novembro de 2017, porque o projeto genocida do Estado traz o extermínio físico e cultural da população negra para além do encarceramento. Ele (o extermínio) é mais uma das formas de estruturar a vida em sociedade à serviço de uma supremacia branca.
Da mesma forma, a resistência feita pelas comunidades negras não começou a partir daqui. Somos herdeiras e herdeiros dos povos que foram sequestradas em África, que resistiram a escravização de negras e negros, aos assassinatos de africanas e africanos, na memória de quilombos, lutas, suicídios e rebeliões de recusa à dominação branca.
Durante os dias de afeto, troca, potência e articulação, observamos melhor as diferentes justificativas políticas utilizadas ao longo da história para permitir e naturalizar o genocídio negro no continente africano e em todo território da diáspora.
No Brasil, temos visto ainda hoje a demonização e a perseguição das expressões culturais da comunidade negra, como as religiões de matriz africana, o samba, Hip Hop, o funk, entre outros. Percebemos que as desculpas vão se modificando ao longo do tempo, e materializam-se na falaciosa política de “guerra às drogas”. Apesar das mudanças ao longos dos anos, algo mantem um ponto em comum entre esses diferentes momentos da história: o racismo e o projeto de genocídio contra o povo negro.
Nos encontramos n’As Fronteiras Raciais do Genocídio: Brasil, 130 anos da abolição inconclusa reatualizada na Guerra ás Drogas como a possibilidade de construir uma agência de experiências e produção de sínteses sobre nossas tecnologias de sobrevivência, nossas estratégias de manutenção em vida, com bem viver, combatendo o nosso sangrento extermínio histórico imposto pela branquitude.
Marcamos a partir deste momento de que não há uma possibilidade de se discutir a falaciosa guerra às drogas, assim como qualquer outro tema na sociedade brasileira, sem entender a questão racial (e suas necessárias interseccionalidades) como central e estruturante do debate.
Da mesma maneira, compreendemos que há uma inviabilidade de se discutir o genocídio negro sem melhor compreender os mecanismos utilizados pelo Estado para disseminar o discurso da política de guerra às drogas.
Por esses motivos, o nosso evento não termina hoje, no dia 18 de Novembro de 2017. Pelo contrário, ele reforça laços de reconhecimento e nos fortalece a seguir em um bloco fechado criando e recriando a infinitude de conexões que nos permitem seguir vivas e potentes no século XXI, mais um século de antinegritude no mundo.
Os laços e as discussões que aqui fizemos continuam e seguem como potências indispensáveis para a construção de novas narrativas e de um mundo sem mortes, cárcere e sofrimento. Nós, negras e negros, por sermos vítimas diretas da violência, ousamos sonhar e guiar nossas existências na construção de uma sociedade livre de opressões por não desejar a ninguém a dor histórica que marca a existência de nosso povo.
Pactuamos neste evento um compromisso, sobretudo com o enfrentamento das violências sofridas pelas mulheres negras em um ambiente pautado por uma politica de drogas que alia o racismo ao sexismo, produzindo cenários de morte física e psíquica de nossas irmãs.
A violência colonial da Guerra às Drogas atinge violentamente as mulheres negras, que são historicamente massacradas na base da pirâmide, numa sociedade estruturada na opressão de raça e gênero. Inspiradas em Angela Davis afirmamos que quando uma mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade muda com ela. Nosso compromisso é descolonizar a politica de drogas, em uma mirada feminista, antirracista, anticapitalista e de respeito a diversidade sexual e de gênero.
Convocamos, portanto e por fim, toda a nossa ancestralidade, nossa intelectualidade, nossa rua e caminhos, nossas histórias, nossas terras e águas, nosso fogo e ar, nossas plantas e nossos céus. Em diáspora e construindo nesse contexto, há séculos, a resistência do luto em luta, propomos para seguir com esse processo conferencial uma Campanha em Rede para 2018: “130 vozes negras ao redor do Brasil contra o genocídio”.
Somos nós as sínteses ambulantes e complementares, que tornam-se potência ao confluir numa mesma caminhada. Somos água e nada nos para, somos o sopro, o vento e o ar que aponta e empurra a humanidade rumo a um Brasil e um mundo mais justos para todas, compreendendo que ele só será possível se não levar em suas mãos nosso sangue.
A Iniciativa Negra Por Uma Nova Política sobre Drogas encerra essa Conferência renovada, fortalecida pelas nossas vivências compartilhadas e pela ampliação do nosso compromisso global contra o genocídio. Conectamos São Paulo, Sussuarana, Bahia, Estados Unidos, Complexo do Alemão, Maré, Colômbia, Uruguai, Grajaú, Recife, Alcaçuz, Carandiru, Cabula. Exigiremos a reparação histórica e arrancaremos a reintegração de nossas posses sequestradas.
No Brasil, o marco será os 130 anos da Abolição Inconclusa em 2018. Contudo, estamos conectadas com as outras experiências da diáspora, onde sempre o fim da escravidão formal nos demostrou no dia seguinte, a manutenção e a prolongação dos tentáculos historicamente produzidos para a nossa morte. Mas nós sempre estivemos atentas e estamos tomando tudo de volta. Nos caminhos e passos por onde, juntas e juntos, seguimos: não vai ter volta!
São Paulo, 18 de novembro de 2017.
Iniciativa Negra Por Uma Nova Política Sobre Drogas
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