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Desvendando o Brasil: Por que "A Questão do Pardo" é leitura essencial?

Em um momento crucial para o aprofundamento dos debates sobre identidade, pertencimento e justiça racial no Brasil, a Livraria Pandora tem a satisfação de destacar uma obra destinada a se tornar referência: "A questão do pardo no Brasil", organizada pela renomada professora e pesquisadora Dr.ª Flávia Rios. Este livro não apenas revisita e expande as discussões incitadas pelo influente dossiê "Os pardos em questão" (revista Cult, 2024), mas se aventura a propor novas chaves de leitura, cruciais para decifrar os complexos significados e as profundas implicações da categoria "pardo" no multifacetado tecido racial, político e histórico do nosso país. A obra impressiona pela densidade analítica e pela coragem de reunir vozes plurais – incluindo, de forma inovadora e necessária, pesquisadores e pesquisadoras indígenas – que tensionam e enriquecem o debate sobre os limites e as possibilidades da mestiçagem e da racialização.


A mestiçagem, como o livro tão bem articula, é uma "pedra de toque", um elemento angular na formação e na contínua reinvenção da sociedade brasileira. Historicamente, o Brasil ergueu sua autoimagem sob o signo da miscigenação, frequentemente idealizada como emblema de uma singular harmonia racial. No entanto, como a pesquisa crítica e os estudos contemporâneos sobre relações raciais vêm denunciando há décadas, essa mestiçagem teve seu marco inicial em um ato de profunda violência – violência sexual, racial e colonial – que inscreveu, desde os primórdios, a hierarquia e a desigualdade como estruturas fundantes do país. Como nos lembra Lélia Gonzalez, ao analisar a formação social brasileira, a figura da mucama e do estupro colonial são elementos constitutivos dessa "neurose cultural brasileira" em torno da raça e do sexo. Nesse cenário intrincado, a categoria "pardo" emerge como um marcador identitário ambíguo, historicamente fluido e, não raro, instrumentalizado por projetos políticos de branqueamento, assimilação forçada ou mesmo apagamento das identidades e especificidades negras e indígenas.


O livro organizado por Flávia Rios disseca com maestria como a noção de "pardo" sempre foi um terreno de disputas semânticas, maleável e regionalmente situado. Ao longo de diferentes épocas e nos mais diversos rincões do Brasil, o termo foi utilizado para abarcar indivíduos com uma vasta gama de ascendências e características fenotípicas. Essa notável flexibilidade, contudo, como a obra sublinha, jamais diluiu uma constante fundamental: a indicação da não-pertença ao grupo branco hegemônico. Ou seja, independentemente das modulações e das autodeclarações, a identidade parda, em sua trajetória histórica, esteve consistentemente associada à exclusão dos privilégios inerentes à branquitude e à negação de um pertencimento pleno à cidadania racial e social.


Nesse sentido, "A questão do pardo no Brasil" enfatiza a urgência incontornável de se discutir quem é o sujeito pardo no Brasil contemporâneo, especialmente num contexto em que as ações afirmativas – como as cotas raciais em universidades e concursos, e outras políticas de reparação histórica – ganham merecida centralidade no debate público e na agenda política. A proeminência dessa questão é, em grande medida, fruto da incansável mobilização dos movimentos negros que, ao longo das últimas décadas, têm compelido o Estado brasileiro e a sociedade a confrontar e reconhecer o racismo estrutural e institucional que afeta a vasta maioria da população. Assim, a categoria "pardo", longe de ser uma mera nomenclatura censitária do IBGE, revela-se como um complexo campo de disputas políticas, identitárias, epistêmicas e de direitos.


O livro, portanto, transcende o exercício conceitual. Ele se lança ao desafio de retratar a vida, as experiências e as subjetividades da maior parcela da população brasileira – aqueles que se identificam ou são identificados como pardos. Ao fazê-lo, a obra não apenas oferece uma releitura crítica do nosso passado colonial e escravocrata, mas também projeta luz sobre os intrincados dilemas contemporâneos da democracia racial (ou sua ausência) e das políticas de identidade. A pluralidade de autores e autoras de renome, cuidadosamente reunidos por Flávia Rios, confere ao livro um caráter interdisciplinar e interseccional profundamente enriquecedor. Permite que diferentes perspectivas – sociológica, histórica, antropológica, jurídica, política e, crucialmente, indígena – dialoguem de forma produtiva sobre os múltiplos sentidos, os usos estratégicos e os limites da mestiçagem como suposto fundamento da identidade nacional.


O resultado é uma obra robusta, provocadora e, sem dúvida, indispensável para quem deseja mergulhar com seriedade na complexidade das relações raciais no Brasil. "A questão do pardo no Brasil" oferece, acima de tudo, um convite irrecusável à revisão crítica de uma das categorias mais controversas, fluidas e, ao mesmo tempo, decisivas para a engrenagem da desigualdade racial brasileira. Ao trazer à tona a historicidade, a multiplicidade e a persistência dessa categoria, o livro reforça que qualquer debate sério sobre a racialização no Brasil do século XXI não pode prescindir de uma reflexão profunda e honesta sobre quem são – e como são vistos e se veem – os sujeitos pardos em uma sociedade ainda tão profundamente marcada por séculos de exclusão e racismo.


Por todas essas razões, a obra interessa profundamente a todos e todas que não se furtam a enfrentar, com rigor intelectual e comprometimento ético-político, os desafios da construção de uma verdadeira justiça racial no país. Ao articular teoria crítica de ponta, análise empírica consistente e um claro compromisso com a transformação social, "A questão do pardo no Brasil" se afirma como leitura obrigatória e urgente para estudantes, pesquisadores, educadores, militantes de movimentos sociais e formuladores de políticas públicas. Trata-se de um livro que, ao mesmo tempo em que nos obriga a revisitar criticamente a história, nos convoca a repensar e a construir ativamente o futuro das relações raciais no Brasil.


E você, como percebe a "questão do pardo" em seu cotidiano e nos debates atuais? Compartilhe suas reflexões nos comentários!



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