100 anos de Frantz Fanon: por que seu pensamento continua tão urgente?
- Helbson de Avila
- 22 de jul.
- 3 min de leitura
"Cada geração deve, a partir de uma relativa opacidade, descobrir sua missão, cumpri-la ou traí-la." — Frantz Fanon

Um Centenário que Fala ao Presente
Em 20 de julho de 2025, celebramos o centenário de Frantz Fanon (1925–1961), um dos mais incisivos pensadores da libertação do século XX. Psiquiatra, militante, teórico da descolonização e um verdadeiro "poeta da revolta", Fanon nos deixou uma obra que não apenas repousa no passado, mas pulsa intensamente no presente. Neste marco simbólico, a Livraria Pandora se une a tantas outras vozes críticas para homenageá-lo. Mais do que uma simples referência histórica, ele é um farol para a transformação radical de nossos tempos.
Este texto é mais do que um tributo; é um convite à leitura crítica e à ação engajada. Afinal, celebrar Fanon é desestabilizar as estruturas naturalizadas da opressão — e, como ele mesmo diria, recusar-se a ser cúmplice da alienação.
O diagnóstico preciso: racismo, subjetividade e alienação
Aos 27 anos, Fanon publicou sua obra seminal Pele Negra, Máscaras Brancas (1952). Neste livro, ele construiu uma análise devastadora e pioneira dos efeitos psíquicos do racismo e da colonialidade. Mais do que uma crítica ao sistema colonial, o livro é uma incursão visceral na experiência de quem vive sob a imposição de um mundo onde ser negro significa ser o "Outro" por excelência.
Fanon denunciou como o racismo se infiltra na constituição da subjetividade, provocando internalizações destrutivas, desejo de branqueamento e fraturas identitárias. Ao fazer isso, ele fundou uma psicanálise politizada e de fronteira, que não busca adaptar o indivíduo a uma sociedade doente, mas sim revelar o caráter patológico da própria ordem racial-colonial.
Sua tese é radical e ainda profundamente necessária: não há cura possível sem a desmontagem das estruturas que adoecem. A alienação do negro colonizado é também um sintoma da normalização do branco colonizador — uma simbiose perversa que precisa ser rompida.
O chamado à ação: da denúncia à práxis libertadora
Se "Pele Negra" nos apresenta o diagnóstico, Os Condenados da Terra (1961) oferece o prognóstico e o caminho para a ruptura. Escrito durante a Guerra da Argélia, pouco antes de sua morte precoce, este livro é o testamento político de Fanon. Nele, a crítica ganha corpo, urgência e radicalidade. Fanon propõe uma nova ética revolucionária, uma práxis enraizada nas experiências dos colonizados, e um chamado à desalienação que não é apenas individual, mas coletiva e anticolonial.
Nesse contexto, Fanon afirma: "A violência é o homem reconstituindo-se." É crucial entender que este trecho não deve ser lido de forma literal. Ele representa uma convocação à destruição dos grilhões coloniais para que algo novo e mais justo possa emergir. O que Fanon oferece não é uma apologia cega da violência, mas um chamado para que os oprimidos deixem de se dobrar às formas coloniais de ser, pensar e agir.
Trata-se de uma ética da dignidade que desafia qualquer neutralidade diante da opressão.
O Legado Vivo: Fanon no Século XXI
Décadas após sua morte, as ideias de Fanon continuam a reverberar e a inspirar. Em um mundo ainda marcado por colonialismos persistentes — muitas vezes disfarçados de globalização, neoliberalismo e securitização —, o pensamento fanoniano oferece ferramentas analíticas e existenciais para resistir, reinventar e reconstruir.
Três frentes ilustram a atualidade de sua obra:
Descolonizar a saúde mental: Fanon foi pioneiro ao vincular o sofrimento psíquico a contextos estruturais. Hoje, profissionais antirracistas e movimentos por saúde mental coletiva revisitam Fanon para repensar práticas terapêuticas não eurocentradas, contextualizadas e politicamente engajadas.
A luta por identidade e reconhecimento: As disputas contemporâneas por representatividade, reparação e desmonte do racismo epistêmico encontram eco direto em Fanon. Ele nos lembra que a luta por identidade não é apenas uma afirmação cultural, mas um projeto político de refundação do humano.
Movimentos sociais globalmente conectados: De Ferguson a Soweto, de Porto Príncipe ao Complexo do Alemão, os gritos por justiça racial e autodeterminação invocam Fanon como um ancestral da insubmissão. Seu pensamento circula entre jovens militantes, coletivos anticoloniais e universidades que ousam romper o cânone branco e eurocêntrico.
Fanon não pertence apenas à história: ele é uma urgência do presente.
Um centenário para despertar
Celebrar os 100 anos de Frantz Fanon não é um gesto de nostalgia; é um ato político de engajamento com um pensamento vivo, vibrante e necessário. Em tempos de reações conservadoras, apagamentos e novas formas de dominação, a obra de Fanon exige leitura ativa, crítica e corajosa.
Na Livraria Pandora, acreditamos que a leitura pode ser um ato de libertação. Por isso, convidamos você a mergulhar na obra de Fanon com olhos abertos, espírito inquieto e disposição para transformar o mundo.
📚 Sugestões de Leitura:
Pele Negra, Máscaras Brancas (Fanon, 1952)
Os Condenados da Terra (Fanon, 1961)
Frantz Fanon: Uma Vida, Um Pensamento (Louise Tythacott, org.)
Frantz Fanon e a Psiquiatria Descolonial (Grada Kilomba, et al.)
Livraria Pandora — Para quem lê o mundo com outros olhos.
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