A construção da personalidade e a percepção pública de Aline no BBB 25: Uma análise sociológica das Racialidades
- Helbson de Avila
- 25 de mar.
- 4 min de leitura

O Big Brother Brasil (BBB) consolidou-se como um espaço de experimentação social, onde identidades são construídas, disputadas e julgadas sob intensa vigilância midiática. Dentro desse laboratório social, questões como raça, gênero e classe emergem como fatores cruciais para a percepção pública dos participantes. No BBB 25, a trajetória de Aline — uma mulher negra e ex-policial militar — oferece um estudo de caso revelador sobre as racialidades na cultura brasileira e como a performance de sua identidade é interpretada pelo público. A análise de sua participação deve considerar como a interseccionalidade (Crenshaw, 1989) influencia tanto sua experiência dentro do jogo quanto a forma como é representada e recebida pela audiência.
Identidade Negra, Gênero e os Conflitos de Expectativas
A identidade racial de Aline é um elemento central na maneira como sua personalidade é construída e percebida. No Brasil, a mulher negra é historicamente posicionada em papéis sociais que oscilam entre a subalternização e a hipervisibilidade, frequentemente reduzida a estereótipos como a “mulher forte” ou a “raivosa” (Gonzalez, 1984; Carneiro, 2003). Aline, ao ocupar um espaço de liderança e assertividade dentro do jogo, desafia essas expectativas, mas também se torna alvo de reações que revelam as tensões raciais subjacentes na sociedade brasileira.
O apelido “Aline Patriarca”, amplamente disseminado nas redes sociais, é um exemplo de como sua identidade é filtrada por um viés racializado e de gênero. A ideia de que uma mulher negra que exerce autoridade seja automaticamente associada à opressão e à rigidez remete a construções históricas que negam às mulheres negras a legitimidade da liderança sem que sejam vistas como figuras autoritárias ou agressivas (Collins, 1990). A forma como Aline precisa equilibrar firmeza e empatia para ser aceita revela a complexidade da experiência negra feminina em espaços de poder.
Racialidade e Interação Social no Jogo
As relações interpessoais dentro do BBB refletem dinâmicas sociais mais amplas e revelam a persistência do racismo estrutural na forma como diferentes corpos são lidos e tratados (Almeida, 2019). A participação de Aline evidencia como a mulher negra é cobrada a demonstrar resiliência emocional e racionalidade, enquanto sua assertividade é frequentemente lida como prepotência.
A teoria da dramaturgia social de Goffman (1959) é útil para entender essa dinâmica. No jogo, Aline desempenha diferentes papéis diante de seus colegas de confinamento e do público. No entanto, enquanto participantes brancos podem ser vistos como “estratégicos” ou “emocionais” sem que isso comprometa sua imagem, Aline enfrenta uma dupla penalização: ao ser racional, pode ser taxada de fria e calculista; ao expressar emoção, corre o risco de ser lida como “descontrolada” ou “excessivamente passional”. Esse duplo padrão reflete o racismo estrutural que condiciona a aceitação de corpos negros na esfera pública.
A Mídia e a Construção da Imagem Pública de Aline
O BBB é, antes de tudo, um espetáculo midiático, onde a edição do programa, os discursos das redes sociais e a cobertura jornalística desempenham papéis fundamentais na construção das imagens públicas dos participantes. A forma como Aline é retratada pelo programa e nas redes sociais não pode ser dissociada das representações midiáticas da mulher negra na cultura brasileira.
A mídia historicamente reproduz estereótipos racializados, como a “mulher negra agressiva” (angry Black woman) ou a “mulher negra forte” (strong Black woman), narrativas que desumanizam e retiram da mulher negra a possibilidade da vulnerabilidade (Collins, 1990; Ribeiro, 2017). No caso de Aline, a maneira como sua postura é editada e interpretada pelo público reforça essas construções. Enquanto participantes brancos podem ser retratados de forma multifacetada, mulheres negras frequentemente têm sua complexidade reduzida a arquétipos já consolidados pela mídia.
As redes sociais amplificam essas dinâmicas. A militância digital tem um papel fundamental na ressignificação da imagem de Aline, mas também expõe a violência racial que persiste no discurso público. A existência de campanhas organizadas para protegê-la de ataques racistas e o uso de hashtags como forma de resistência revelam a necessidade constante de reafirmação da legitimidade de sua presença no jogo.
Opinião Pública, Popularidade e a Instabilidade do Reconhecimento
A popularidade de Aline no BBB 25 oscilou ao longo do programa, evidenciando como a aceitação pública de uma mulher negra em posição de destaque é instável e sujeita a variáveis raciais e de gênero. A sociologia da opinião pública (Habermas, 1984) sugere que as preferências da audiência são moldadas não apenas pelas ações dos participantes, mas também por discursos dominantes e estruturas de poder subjacentes.
A instabilidade da popularidade de Aline pode ser analisada sob a ótica do conceito de reconhecimento (Fraser, 2001). Em sociedades racializadas, a aceitação de sujeitos negros em espaços de visibilidade pública é frequentemente condicional: são valorizados enquanto cumprem determinados papéis esperados, mas rapidamente rejeitados caso desafiem normas estabelecidas. A ascensão e queda de Aline no favoritismo do público refletem esse padrão, no qual sua presença é constantemente avaliada sob critérios racializados.
Conclusão: A Racialidade como Elemento Central da Análise
A trajetória de Aline no BBB 25 revela que a construção da personalidade e a percepção pública dos participantes do reality show não podem ser analisadas sem considerar a racialidade. A forma como ela é vista pelo público e representada na mídia reflete padrões históricos de exclusão e estereotipação da mulher negra, que ainda enfrenta barreiras para ser legitimamente reconhecida em espaços de poder e liderança.
O BBB, como fenômeno de massa, funciona como um espelho das tensões raciais, de gênero e de classe que estruturam a sociedade brasileira. A análise sociológica da participação de Aline nos permite ir além do entretenimento e compreender como a racialidade influencia a maneira como construímos, interpretamos e julgamos subjetividades negras em espaços de exposição midiática. Afinal, como afirmam pensadoras negras como Lélia Gonzalez e bell hooks, a luta por reconhecimento e representação equitativa é um dos principais desafios das populações negras em sociedades racializadas.
Referências
- ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural. Pólen, 2019. 
- CARNEIRO, Sueli. A Construção do Outro como Não-Ser. Tese de doutorado, USP, 2003. 
- COLLINS, Patricia Hill. Black Feminist Thought: Knowledge, Consciousness, and the Politics of Empowerment. Routledge, 1990. 
- CRENSHAW, Kimberlé. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex. University of Chicago Legal Forum, 1989. 
- FRASER, Nancy. Reconhecimento sem Redistribuição?. Lua Nova, 2001. 
- GONZALEZ, Lélia. Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, 1984. 
- GOFFMAN, Erving. A Representação do Eu na Vida Cotidiana. Vozes, 1959. 
- HABERMAS, Jürgen. Teoria da Ação Comunicativa. Tempo Brasileiro, 1984. 
- RIBEIRO, Djamila. O Que é Lugar de Fala?. Letramento, 2017. 




















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