O Racismo no bolso: A desigualdade econômica e o valor do trabalho no Brasil
- Helbson de Avila
- 21 de set.
- 4 min de leitura

1. Introdução: A promessa de uma economia quebrada
Na fábula da economia brasileira, o mercado de trabalho é um campo de batalha justo, onde o sucesso é a recompensa para o esforço e a qualificação. É uma promessa de oportunidades iguais para todos. No entanto, para milhões de brasileiros negros e negras, essa narrativa se desfaz ao primeiro olhar nos números. A promessa se esvai e o que resta é a incessante reprodução da desigualdade.
A frieza das estatísticas revela uma contradição gritante: em 2023, a renda do trabalho de pessoas negras foi de R$ 2.199,04, enquanto a de pessoas brancas chegava a R$ 3.729,69. Isso significa que, para o mercado, o trabalho de uma pessoa negra vale pouco mais da metade do de uma branca. Mesmo em condições semelhantes de qualificação, dados do IBGE mostram que o rendimento por hora de pessoas brancas foi 67,7% superior ao de pretos ou pardos. Além disso, a liderança em nosso país ainda tem uma cor dominante: apenas 33,7% dos cargos de liderança são ocupados por pessoas negras, embora representem mais da metade da nossa população.
Esses dados não são "desvios estatísticos" de um sistema justo. São os sintomas de uma febre sistêmica, de uma economia construída sobre uma hierarquia racial. A tese que guia este ensaio é, portanto, um chamado à realidade: o mercado de trabalho no Brasil não é um espaço neutro de ascensão individual. É, na verdade, um mecanismo silencioso que reproduz a desigualdade racial. Aqui, a meritocracia é apenas um mito; o valor do trabalho e do potencial humano é, em última análise, determinado pela cor da pele.
2. O Teto de Vidro e a desvalorização do Trabalho
Em nosso mundo de trabalho, a desigualdade racial se manifesta de duas formas cruéis. A primeira é o abismo salarial, uma diferença persistente na remuneração que insiste em existir, mesmo quando se compara profissionais com os mesmos diplomas e experiências. A segunda, ainda mais perversa, é o que chamamos de "teto de vidro": uma barreira invisível, mas inquebrável, que impede que profissionais negros cheguem aos cargos de liderança, independentemente de seu talento e dedicação.
Essa exclusão não tem nada a ver com produtividade ou desempenho. Ela é fruto de um preconceito sistêmico, sustentado por estigmas históricos que desvalorizam o trabalho negro. Em 2023, mesmo entre pessoas com ensino superior completo, a diferença de rendimentos chegou a 50% a favor dos brancos. Ao naturalizar a ideia de que certos corpos e identidades pertencem a posições subalternas, o mercado não apenas comete uma injustiça; ele cristaliza uma lógica de remuneração que subestima o talento e a competência de profissionais negros.
3. As Raízes da Exclusão: Informalidade e Precarização
A tragédia do racismo no trabalho vai além dos salários e promoções. Ela se enraíza na própria natureza dos empregos que a população negra é forçada a aceitar. A esmagadora maioria está desproporcionalmente concentrada na informalidade e em ocupações precarizadas — em serviços domésticos, no trabalho por conta própria sem proteção social ou em atividades de baixa remuneração. Onde a lei não chega, a desigualdade prospera.
Essa realidade dolorosa tem suas raízes no chão batido da nossa história. O fim formal da escravidão em 1888 não foi acompanhado de políticas de reparação ou de inclusão. A população negra foi, literalmente, abandonada à margem da sociedade, desprovida de terra, crédito, educação e redes de proteção. O resultado é que, até hoje, o mercado de trabalho brasileiro é um espelho de uma estrutura herdada do escravismo, reproduzindo ciclos históricos de exclusão que negam à população negra a possibilidade de uma mobilidade social plena. O racismo, nesse sentido, não é um vestígio do passado; é uma força ativa que molda o presente.
4. O Papel do Estado e das Empresas: A Resposta aos Dados
Diante de tamanha evidência, o que o Estado e as empresas têm feito? A resposta, em grande parte, tem sido a inércia. As políticas públicas de promoção da igualdade racial são frágeis, frequentemente reduzidas a programas pontuais e mal monitorados. No setor privado, a "diversidade" muitas vezes se resume a uma palavra bonita em relatórios de marketing, uma estratégia vazia que não se traduz em ações concretas de inclusão e valorização.
Mas é preciso inverter essa lógica. As soluções existem e já se mostraram eficazes. As políticas de cotas raciais no ensino superior, por exemplo, não são uma aposta cega; são uma vitória comprovada pelos dados, que mostram sua capacidade de abrir as portas de universidades e, consequentemente, de setores profissionais mais qualificados. Estudos recentes comprovam que essas ações têm um impacto positivo e duradouro em rendimentos e mobilidade social. Essa experiência pode e deve ser adaptada ao mundo corporativo e ao serviço público, no ingresso e na ascensão profissional. Programas de recrutamento inclusivo, metas de diversidade racial em cargos de liderança e mecanismos de monitoramento são ferramentas poderosas. Mas só funcionam se acompanhadas de compromisso institucional real.
5. Conclusão: Uma Economia que Exige Equidade
A análise aqui desenvolvida confirma a tese inicial: o mercado de trabalho brasileiro não é justo, tampouco meritocrático. Ele se estrutura como um espaço de reprodução de desigualdades raciais, alimentado pela desvalorização do trabalho negro, pela informalidade e pela exclusão histórica.
Nesse contexto, iniciativas como o Sistema Integrado de Monitoramento da Igualdade Racial (SIMIR) são um grito de urgência. Ao reunir dados e indicadores, o SIMIR oferece as provas necessárias para desmascarar o mito da meritocracia e pressionar empresas e governos a implementarem reformas estruturais. O racismo no bolso, nas promoções e nos salários, é a prova de que uma economia não pode ser forte se é, ao mesmo tempo, profundamente injusta.
O apelo final é simples e, ao mesmo tempo, urgente: uma economia que se pretenda democrática não pode se sustentar sobre a desigualdade racial. É preciso ir além do discurso e agir com base em evidências, para que o Brasil supere o racismo que se esconde nos salários, nas contratações e nas promoções. Somente assim poderemos construir um crescimento econômico verdadeiramente justo e inclusivo, em que o fruto do trabalho seja colhido por todos e todas.




















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