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O Amor como Força Política e Curativa: O Legado Revolucionário de bell hooks


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A inigualável obra de bell hooks (Gloria Jean Watkins) estabeleceu-se como um pilar fundamental no pensamento crítico contemporâneo, notadamente por sua articulação radical e perspicaz do amor como uma categoria política e ética. Em um cenário global persistentemente assombrado pela violência estrutural do racismo, o sexismo profundamente entranhado nas dinâmicas cotidianas e as múltiplas opressões do capitalismo neoliberal, hooks nos apresenta um convite irrecusável: o de transcender a redução do amor a um mero sentimento íntimo ou privado, reconhecendo-o, de maneira rigorosa, como uma prática ética, revolucionária e transformadora. Seu vasto legado teórico aponta para uma pedagogia do afeto e da solidariedade comunitária, onde a cura das feridas históricas se torna um processo intrinsecamente ligado e inseparável da luta pela transformação social.

Amor: Uma Prática Ética e Revolucionária Contra a Dominação

Em seu influente livro All About Love: New Visions (2000), hooks diagnostica que a sociedade moderna padece de uma profunda "crise do amor", na qual os vínculos humanos foram perigosamente corroídos pela lógica da mercantilização, da competição desenfreada e do individualismo. Em uma crítica contundente a essa desumanização, ela propõe uma definição engajada e exigente de amar, que se afasta da noção de sentimento passivo: amar é "a vontade de nutrir o próprio crescimento espiritual e o do outro". Tal concepção implica, necessariamente, compromisso, responsabilidade, respeito, cuidado e honestidade como ações concretas. Ao redefinir o amor como um verbo de ação e intenção, hooks rompe com as visões românticas e individualistas predominantes, posicionando-o como uma força motriz capaz de desestabilizar o status quo opressor.

Ao assumir o amor como uma prática revolucionária, hooks desafia o cinismo político que historicamente o associa à fragilidade, à ingenuidade ou ao sentimentalismo vazio. O amor, em sua acepção mais profunda, é uma escolha ética ativa e um ato de resistência deliberada contra as diversas formas de dominação. É, na verdade, uma linguagem de poder que desmantela hierarquias de raça, classe e gênero, abrindo caminhos para novos e mais justos modos de existir e conviver.

Comunidade: O Espaço de Cura e a Base da Resistência

Um outro eixo crucial e interconectado de sua filosofia reside na proposta de construção de "comunidades de amor e resistência". hooks reconhece que as opressões sistêmicas não apenas geram desigualdades materiais e sociais, mas também infligem feridas emocionais, psicológicas e espirituais profundas. O racismo supremacista, por exemplo, transcende a violência física, buscando aniquilar subjetividades e dignidades inerentes; o sexismo coloniza as relações afetivas, frequentemente normalizando o controle, o abuso e a violência.

Para hooks, a resposta eficaz a esses traumas não reside unicamente nas políticas institucionais ou nas esferas de poder tradicionais, mas sim na criação e manutenção de espaços coletivos onde o amor possa ser ativamente praticado como cuidado mútuo, solidariedade incondicional e mutualidade. Essas comunidades, portanto, são simultaneamente terapêuticas e políticas: é nelas que o trauma histórico pode ser reconhecido, processado e tratado, e onde a resistência política encontra uma base afetiva e sustentável que nutre e fortalece a luta de libertação. É nesse movimento de convergência que hooks articula de modo magistral cura e militância, lembrando-nos que transformar a sociedade exige, intrinsecamente, transformar também as formas como nos relacionamos uns com os outros.

Amor, Saúde Mental e a Urgência da Luta Política

A teoria do amor em hooks demonstra um profundo desdobramento na saúde mental e coletiva. Em um contexto social em que a solidão, a alienação e a violência simbólica corroem a vida psíquica das pessoas, o amor surge como um antídoto potente contra o adoecimento coletivo. Longe de ser uma visão romantizada ou escapista, hooks sustenta a convicção de que relações humanas baseadas no cuidado, no respeito e na justiça são absolutamente indispensáveis para a construção de subjetividades autônomas e saudáveis.

Ao conectar de forma explícita o amor, a comunidade e a cura, hooks tece uma crítica poderosa à medicalização isolada do sofrimento, que tende a individualizar problemas de origem estrutural. A verdadeira saúde mental, ela argumenta, não pode ser alcançada sem a edificação de ambientes coletivos que promovam a dignidade, a pertença e a justiça social. A prática do amor, nesse sentido, se estabelece como a condição de possibilidade fundamental para a corajosa tarefa de reimaginar e reconstruir tanto a vida pessoal quanto a vida em sociedade, livres das amarras da dominação.

O Legado Curativo: Um Chamado à Insurgência Afetiva

O legado de bell hooks, em sua totalidade, deve ser lido como um eloquente chamado à ação para resgatar o amor como o fundamento ético e espiritual da luta política. Em vez de capitular diante da fragmentação, do cinismo e da violência impostas pelas estruturas opressoras, sua vasta obra nos convoca à insurgência afetiva: a reinventar a vida em comum a partir de vínculos de solidariedade radical e reciprocidade. O amor é, portanto, uma forma de insurgência contra o desespero, a chave para imaginar e concretizar futuros mais justos, equitativos e humanizados.

Celebrar bell hooks é reconhecer que a revolução integral não se constrói apenas com palavras de denúncia ou barricadas físicas, mas também com abraços que curam, com práticas cotidianas de cuidado e, acima de tudo, com a escolha contínua de lutar a favor do que sustenta e fortalece a vida. Seu ensinamento mais profundo é este: sem amor, a luta se esvazia e se torna estéril; com amor, ela floresce em direção à cura e à liberdade coletiva.

O que você pensa sobre a ideia de que o amor deve ser uma prática e não apenas um sentimento na política?

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