Racialidade e o Índice de Equidade Racial nas Empresas (IERE) 2024
- Helbson de Avila
- 21 de mar.
- 4 min de leitura

O Índice de Equidade Racial nas Empresas (IERE) é uma ferramenta que busca promover a igualdade racial no ambiente corporativo brasileiro. Publicado pela Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial, o IERE avalia o comprometimento das empresas no enfrentamento ao racismo, utilizando uma metodologia que valoriza a cocriação, o esforço, a materialidade e a transparência. Este ensaio propõe uma análise crítica dos dados do IERE 2024 sob a perspectiva da teoria crítica da racialidade, articulando-os com reflexões de autores que discutem o papel das empresas na reprodução e no combate às desigualdades raciais no Brasil.
Desigualdade Racial Estrutural e o Papel das Empresas
A teoria crítica da racialidade compreende a raça como uma construção social utilizada para estruturar hierarquias de poder e manter desigualdades. No Brasil, a racialização da sociedade tem raízes no período colonial e escravocrata, e seus efeitos persistem até hoje, manifestando-se em diversas esferas, como educação, mercado de trabalho, saúde e justiça.
O IERE 2024, ao apresentar dados sobre a desigualdade racial no Brasil, evidencia como essa estrutura se reproduz no ambiente corporativo. De acordo com o relatório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) citado no documento, apesar de alguns avanços na educação infantil, a desigualdade racial se acentua nos níveis mais elevados de ensino. Essa disparidade reflete-se no mercado de trabalho, onde negros enfrentam maiores taxas de informalidade, desocupação e sub-representação em cargos de liderança.
Nesse contexto, o IERE busca engajar as empresas no enfrentamento ao racismo, reconhecendo seu papel tanto na reprodução quanto na transformação das relações raciais. A inclusão de indicadores de equidade racial no ambiente corporativo não apenas evidencia desigualdades, mas também desafia as empresas a assumirem maior responsabilidade social. Contudo, para que o índice tenha um impacto transformador, é necessário que ele vá além do reconhecimento simbólico e seja incorporado como critério central na governança corporativa, vinculando-se a mecanismos concretos de prestação de contas (accountability racial).
Ações Afirmativas, Accountability Racial e a Luta por Equidade
O IERE 2024 valoriza o "esforço" das empresas no combate às desigualdades raciais, premiando aquelas que demonstram comprometimento com a causa. Essa perspectiva dialoga com a teoria crítica da racialidade, que defende a importância das ações afirmativas para reparar injustiças históricas e promover equidade racial.
Autores como Silvio Almeida (2019) argumentam que o racismo é um fenômeno estrutural, que se manifesta não apenas em atos individuais, mas também em práticas institucionais e normas sociais. Nesse sentido, ações afirmativas são fundamentais para desconstruir barreiras que impedem o acesso de negros a oportunidades educacionais e profissionais. O IERE 2024, ao avaliar políticas de recrutamento, capacitação e ascensão de profissionais negros, estimula as empresas a implementarem medidas concretas de inclusão, como a flexibilização de critérios de recrutamento, a criação de programas de mentoria e o estabelecimento de metas de representatividade.
No entanto, é importante questionar até que ponto as empresas estão de fato comprometidas com mudanças estruturais ou se limitam a práticas superficiais de diversidade, sem redistribuição real de poder e recursos. Autoras como Djamila Ribeiro (2019) e Sueli Carneiro (2005) alertam para os riscos do "capitalismo racial", no qual a inclusão de pessoas negras se torna uma estratégia de marketing e branding, sem alterar substancialmente as dinâmicas internas da empresa. Assim, um avanço necessário seria garantir que a equidade racial seja incorporada a processos regulatórios, auditorias independentes e políticas de compliance, tornando a accountability racial um elemento fundamental na governança corporativa.
Desafios Estruturais e Perspectivas Futuras
Apesar dos avanços observados no IERE 2024, os dados revelam que a equidade racial no mercado de trabalho brasileiro ainda é um desafio a ser superado. A pontuação geral das empresas ainda é baixa, e a representatividade de negros em cargos de liderança permanece insuficiente.
Um dos desafios apontados pelo relatório é a questão do recenseamento empresarial. A autodeclaração racial é fundamental para a coleta de dados precisos sobre diversidade nas empresas, mas enfrenta barreiras como baixa adesão, falta de letramento racial e resistência de colaboradores e gestores. Além disso, há a necessidade de aprofundar a análise interseccional da desigualdade racial. O relatório do IPEA destaca como mulheres negras enfrentam desafios específicos, decorrentes da dupla discriminação de gênero e raça. Portanto, é fundamental que as empresas adotem políticas que considerem as particularidades e demandas de diferentes grupos dentro da população negra.
Outro aspecto crítico é a relação entre equidade racial e concentração de poder econômico. Para além de ações internas de inclusão, as empresas devem se comprometer com políticas públicas e iniciativas que favoreçam a redistribuição econômica, como o apoio a empreendedores negros e investimentos sociais voltados à redução das desigualdades raciais. Sem esse compromisso, a equidade racial pode se tornar apenas um discurso corporativo sem impacto real na sociedade.
A teoria crítica da racialidade nos lembra que a luta por equidade racial é um processo contínuo e complexo, que exige o engajamento de diversos atores sociais. O IERE 2024, ao promover o diálogo e a troca de experiências entre empresas, sociedade civil e setor público, contribui para o avanço desse debate. No entanto, para que sua implementação tenha um impacto transformador, é necessário fortalecer mecanismos de monitoramento e responsabilização, garantindo que a equidade racial seja um critério central e inegociável na estruturação das empresas e na construção de uma economia verdadeiramente inclusiva.
Bibliografia:
- ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Pólen, 2019. 
- CARNEIRO, Sueli. A construção do outro como não-ser como fundamento do ser. 2005. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. 
- IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Relatórios sobre desigualdades raciais no Brasil. Disponível em: www.ipea.gov.br. 
- INICIATIVA EMPRESARIAL PELA IGUALDADE RACIAL. Índice de Equidade Racial nas Empresas (IERE) 2024. Disponível em: www.igualdaderacial.com.br. 
- RIBEIRO, Djamila. Pequeno manual antirracista. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. 




















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