O Debate continua: 3 pontos essenciais sobre "A Questão do Pardo no Brasil" após nossa roda de conversa
- Helbson de Avila
- há 5 dias
- 4 min de leitura

No último dia 14 de junho, a Livraria Pandora, juntamente com o Club Palmares tiveram a honra de ser palco de um encontro potente, afetivo e instigante. Recebemos com imensa alegria a professora e socióloga Drª Flávia Rios, autora da obra "A questão do pardo no Brasil" (Bregantini, 2025), para uma Roda de Conversa que mobilizou reflexões profundas e sensíveis sobre identidade racial, política, memória e pertencimento. O evento, realizado no Clube Palmeiras, em Volta Redonda, contou com um auditório cheio, olhares atentos, comentários calorosos e perguntas provocadoras que revelaram a urgência e a densidade desse debate.
Agradecemos imensamente a todas as pessoas presentes — estudantes, pesquisadores, militantes, professores e curiosos atentos — que fizeram da roda um espaço verdadeiramente coletivo de escuta e construção. A energia trocada naquela tarde não se dissipou: ela se transformou em necessidade de continuidade. E é justamente isso que pretendemos com este texto. Queremos manter a roda girando.
A seguir, destacamos três pontos essenciais que emergiram com força durante nossa conversa e que merecem aprofundamento à luz do livro de Flávia Rios. Esses tópicos não encerram o debate — pelo contrário, abrem novas veredas de reflexão, como trilhas ainda a serem desbravadas.
A Perspectiva Indígena e o desmonte da Mestiçagem como Mito Unívoco
Um dos elementos mais inovadores da obra de Flávia Rios é a inclusão consistente da perspectiva indígena na análise da identidade parda. Em um campo frequentemente dominado pela dicotomia branco-negro — muitas vezes reforçada pelas próprias lógicas do Estado e do mercado —, o livro tensiona essa bipolaridade e exige que olhemos para as camadas de apagamento histórico e epistemológico dos povos indígenas na formação social brasileira.
Na roda de conversa, esse ponto reverberou em várias falas do público. Como pensar a categoria “pardo” sem reproduzir os apagamentos coloniais que sustentaram a ideologia da mestiçagem como “solução” para a diversidade racial no Brasil? Como escutar as vozes indígenas presentes nos corpos, nos sobrenomes, nos territórios e nos silêncios de tantos brasileiros que carregam essa designação racial sem, muitas vezes, compreender seu conteúdo histórico e político?
Rios nos provoca a encarar a mestiçagem não como um destino inevitável ou como uma riqueza inquestionável, mas como uma tecnologia social e política que, em nome da harmonia racial, neutraliza conflitos, apaga assimetrias e impõe narrativas normativas sobre pertencimento.
A inclusão da dimensão indígena, portanto, não é mero adendo identitário — é deslocamento epistemológico. Ela obriga o leitor a interrogar os próprios pressupostos do pensamento racial brasileiro e a considerar a complexidade de heranças, violências e reinvenções que constituem o sujeito pardo no país.
Parditude e Políticas Afirmativas: Identidade, Disputa e Reconhecimento
Outro ponto que gerou intenso debate durante o evento foi a relação — frequentemente tensa e atravessada por disputas — entre identidade parda e acesso às políticas afirmativas, especialmente no contexto das cotas raciais no ensino superior e no serviço público.
Flávia Rios aborda com firmeza esse tema no livro, desnaturalizando os argumentos tanto daqueles que veem os pardos como "infiltrados" no sistema de cotas quanto dos que defendem uma suposta homogeneidade do grupo negro. Ela propõe um olhar interseccional e crítico que reconhece as múltiplas formas de racialização vividas pelos pardos, com suas especificidades regionais, fenotípicas, históricas e socioeconômicas.
Na prática, o que está em jogo é o acesso a direitos em um país onde a desigualdade racial é estrutural — mas onde a própria noção de “raça” é fluida, ambígua e muitas vezes negada. Como definir quem pode ou não ser beneficiário de ações afirmativas sem cair em essencialismos ou criar critérios arbitrários? Como garantir a justiça racial sem reforçar mecanismos de exclusão e policiamento racial entre os próprios sujeitos negros?
Essas perguntas não têm respostas simples. Mas o livro de Rios oferece ferramentas teóricas e empíricas sólidas para pensar o problema, especialmente a partir de dados do IBGE, entrevistas e observações sobre o funcionamento das comissões de heteroidentificação. Em vez de optar por soluções fáceis, a autora propõe um caminho de análise crítico, comprometido com a justiça e com a complexidade da experiência social.
Essa abordagem foi muito bem recebida na roda, especialmente por estudantes e profissionais que vivem na pele as ambiguidades do reconhecimento racial no Brasil. O debate revelou que a questão do pardo é também — e profundamente — uma questão de justiça social e de disputas por lugar, voz e memória.
Para além da roda: o livro como ferramenta de pensamento e transformação
Por fim, este post não poderia terminar sem reforçar o convite à leitura integral da obra “A questão do pardo no Brasil”. Como ficou claro na conversa com a autora, o livro não é apenas uma análise sociológica sobre classificações raciais: é um gesto de descolonização do olhar, uma tentativa de romper com os lugares-comuns do pensamento sobre raça no Brasil.
Longe de propor definições fixas ou categorias estanques, Flávia Rios nos oferece um livro que pensa com e contra os dados, que escuta as tensões do campo e que valoriza o dissenso como parte do processo de produção de conhecimento. É uma obra que fala com os estudos sobre racialização, com os movimentos sociais, com as políticas públicas, mas também com as pessoas que vivem o impasse da identidade parda no cotidiano.
Se você esteve na roda de conversa e saiu com perguntas borbulhando na cabeça, esse livro é o seu próximo passo. Se você não esteve, mas se interessa por debates raciais, políticas de identidade e desafios epistemológicos, essa leitura é urgente.
Convidamos todas e todos a continuarem esse debate nos comentários deste post ou no fórum da Livraria Pandora, onde teremos espaço aberto para partilha, crítica, discordância e afeto. Porque, como bem sabemos, o pensamento se fortalece quando é coletivo.
“Já leu ‘A questão do pardo no Brasil’?
Vem com a gente nessa conversa que continua!”
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