A Complexa trama da Brasilidade e Racialidades: Desvendando Mitos e Buscando Igualdade
- Helbson de Avila
- 13 de mar.
- 4 min de leitura

A construção da identidade nacional brasileira, a "brasilidade", tem sido historicamente entrelaçada com a questão racial, resultando em um panorama complexo e multifacetado. A narrativa predominante, muitas vezes romantizada, de uma nação miscigenada e harmoniosa mascara as profundas desigualdades raciais que persistem na sociedade brasileira. Desvendar essa trama exige uma análise crítica da construção histórica da "brasilidade" e um reconhecimento das diversas "racialidades" que compõem o Brasil.
O mito da democracia racial e suas implicações
A ideia de miscigenação, central para a formação da identidade nacional, foi promovida como um símbolo de união e superação das diferenças raciais. No entanto, essa narrativa negligenciou as experiências e lutas dos povos indígenas e africanos, que foram subjugados e explorados durante séculos. A "democracia racial", mito que se instaurou no imaginário brasileiro, serviu para perpetuar a invisibilidade do racismo estrutural e das desigualdades que dele decorrem. Como aponta Silvio Almeida (2019), o racismo no Brasil não se manifesta apenas em atos isolados de preconceito, mas está enraizado nas instituições, na economia e na cultura, dificultando a ascensão social da população negra.
Um exemplo concreto dessa desigualdade pode ser visto no mercado de trabalho. Apesar de negros e pardos representarem a maioria da população brasileira (56%, segundo o IBGE), eles continuam sendo minoria em cargos de liderança e ganham, em média, 31% menos do que pessoas brancas que exercem as mesmas funções. Além disso, há uma forte segregação racial em determinadas profissões: enquanto pessoas negras estão mais presentes em empregos precarizados, como empregadas domésticas e trabalhadores informais, cargos de prestígio, como médicos e juízes, são majoritariamente ocupados por brancos (Almeida, 2019).
A apropriação e desvalorização das culturas negras e indígenas
A "brasilidade", portanto, não pode ser dissociada das "racialidades" que a moldaram. A cultura brasileira, rica e diversa, é fruto da contribuição de diferentes grupos étnico-raciais, especialmente os africanos e indígenas. No entanto, o reconhecimento e a valorização dessas contribuições nem sempre foram equitativos. Durante séculos, elementos da cultura negra e indígena foram apropriados sem o devido reconhecimento, enquanto a cultura branca europeia foi elevada a um patamar de superioridade.
Isso pode ser observado na música e na moda. O samba, por exemplo, que hoje é um símbolo da identidade nacional, foi por muito tempo criminalizado e associado à marginalidade. Apenas quando passou a ser aceito pelas elites e apropriado por setores mais privilegiados da sociedade, ganhou status de "tradição brasileira" (Munanga, 2012). Da mesma forma, turbantes, tranças e outras expressões da estética negra, que antes eram motivo de discriminação, tornaram-se tendências da moda quando adotadas por pessoas brancas, muitas vezes sem a devida valorização de suas origens africanas.
Desigualdade racial e acesso a direitos básicos
As "racialidades" no Brasil são diversas e marcadas por desigualdades gritantes. Negros e indígenas enfrentam discriminação e violência, além de terem menor acesso a oportunidades em áreas como educação, saúde e emprego. Os índices de homicídio ilustram essa realidade: segundo o Atlas da Violência de 2021, jovens negros têm 2,6 vezes mais chances de serem assassinados do que jovens brancos. Essa diferença reflete não apenas o racismo institucional na segurança pública, mas também a vulnerabilidade social imposta à população negra (Carneiro, 2019).
Na educação, a desigualdade também é evidente. Embora políticas como as cotas raciais tenham ampliado o acesso de estudantes negros às universidades, ainda há um longo caminho a percorrer. Muitas escolas públicas, frequentadas majoritariamente por alunos negros e indígenas, enfrentam falta de infraestrutura, professores mal remunerados e evasão escolar elevada. Essa precariedade limita as oportunidades desses estudantes e perpetua um ciclo de exclusão social (Schwarcz, 2019).
Caminhos para uma brasilidade mais justa
A superação do racismo estrutural exige um esforço conjunto da sociedade brasileira. É necessário repensar a construção da identidade nacional, reconhecendo a importância das diversas "racialidades" e combatendo o mito da democracia racial. A valorização das culturas negras e indígenas, o acesso à educação e à saúde para todos, a promoção da igualdade de oportunidades e o combate à violência são medidas essenciais para construir um Brasil mais justo e igualitário.
Políticas afirmativas, como as cotas raciais e programas de incentivo ao empreendedorismo negro, são ferramentas fundamentais para reduzir desigualdades históricas. Além disso, a inclusão de uma educação antirracista nas escolas pode ajudar a desconstruir estereótipos e promover uma identidade nacional mais inclusiva e plural.
Em suma, a "brasilidade" não pode ser compreendida sem a consideração das "racialidades" que a compõem. A construção de uma identidade nacional mais justa exige o reconhecimento das desigualdades raciais, o combate ao racismo e a valorização da diversidade cultural brasileira. Só assim será possível romper com os mitos que sustentam a exclusão e avançar em direção a uma sociedade verdadeiramente democrática.
Bibliografia
Abreu, M. (1999). Caminhos da memória e identidade negra. São Paulo: Cortez.
Almeida, S. L. de. (2019). Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen.
Carneiro, S. (2019). Poder patriarcal, racismo e sexismo. São Paulo: Djamba.
Munanga, K. (2012). Superando o racismo na escola. São Paulo: Cortez.
Schwarcz, L. M. (2019). Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras




















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